"As ruas fervem em todo o Brasil. Jovens, e outros nem tanto, ocupam as cidades que o capital teima em tentar monopolizar para seu gozo exclusivo, exigindo transportes mais baratos e, cada vez mais, direito à livre manifestação. Com muito vinagre e fogo no lixão urbano, os manifestantes rebelados afrontam as bombas de gás, balas de borracha, e outras nem tanto, da repressão policial. Nos (tele)jornais, querem dirigir o que não puderam evitar, apresentando um vilão fantasmático: “a corrupção!”, para tentar desviar o foco da materialidade das contradições sociais que emergem com as centenas de milhares de pessoas nas ruas. Para eles, há os pacíficos e os vândalos. Bandeiras nacionais e hinos patrióticos representam a “verdadeira cidadania”, os partidos de esquerda seriam os “aproveitadores”. A linha é tênue, e varia conforme os humores dos manifestantes e as “sondagens de opinião”. Há quem, nas próprias manifestações, reproduza valores desse esforço ideológico para direcionar as mobilizações para a zona de conforto da classe dominante. Mas, os jornalistas dos monopólios da comunicação precisam se refugiar nos helicópteros e estúdios, porque sabem que a maioria ali não acredita no que dizem e nas ruas podem também ser brindados com o escracho dos que lutam. Lutam pelo que? O que explica a explosividade e a rapidez surpreendentemente desses acontecimentos? Aonde podem chegar? Qual o seu potencial? E os limites que precisam ultrapassar?" - Com esta breve introdução iniciamos nosso blog em junho de 2013. A luta continua e por isso este espaço continua aberto às analises!

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Esquerda ou direita?


por André Singer

O levante urbano desencadeado pelo Movimento Passe Livre (MPL) obteve uma vitória extraordinária ao conquistar a redução do preço das passagens do transporte coletivo em São Paulo e em tantas outras cidades. Mas, conquistada a reivindicação, é preciso saber para que lado vão os personagens que tomaram as ruas depois de 20 anos de ausência das massas na cena brasileira.
Duas características peculiares aos protestos recentes criaram uma indeterminação. A primeira é o seu estilo horizontal de organização, cujas raízes profundas estão na tremenda crise que assola a democracia contemporânea. Indignadas com o descolamento entre o mundo da política e o inferno da vida cotidiana, as pessoas recusam as organizações tradicionais --sejam partidos, sejam sindicatos--, ou o que se pareça com elas.
Convém esclarecer, antes que haja qualquer mal-entendido, que a democracia não pode funcionar sem partidos e que os sindicatos, apesar de todos os problemas, continuam a ser o melhor instrumento que o trabalhador tem para defender seus interesses. Para completar, em minha opinião, a democracia --em que pese os inúmeros e graves percalços pelos quais passa-- é a maior conquista da humanidade no campo da política. Isto posto, é preciso canalizar a revolta contra as instituições para uma participação que as revitalize, e não que as destrua.
O saudável ímpeto antivertical tem como contrapartida a falta de direção unificada. Ao não se delimitar com clareza o que cabia e o que não cabia nas manifestações, elas começaram a agregar um pouco de tudo, até mesmo ideologias opostas, como ficou claro na briga entre direita e esquerda que marcou a comemoração da vitória na av. Paulista anteontem.
O segundo elemento singular é que nunca na história recente do país --e, talvez, nem na antiga-- camadas populares tenham se levantado em tal proporção. Se o estopim foi aceso pela classe média, o novo proletariado, forjado na década do lulismo, entrou nas avenidas, dando um colorido inédito às marchas reivindicatórias. Uma placa tectônica do país se mexeu, surpreendendo a todos os atores tradicionais.
Iniciado pela esquerda, o processo ficou indeterminado quando se verificou que tal fração de classe pode ser fisgada pela direita, a partir de apelos contra a corrupção. A direita quer vender a ideia de que sanear o Estado (o que é necessário) e cortar funcionários resolveria as demandas por saúde, educação e segurança.
Caberá à esquerda, que teve o mérito de começar a luta, ter a coragem de mostrar a cara e propor um programa que, sem deixar de ser republicano, aposte na ampliação do gasto público, de modo a construir o bem-estar que as massas exigem.

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