"As ruas fervem em todo o Brasil. Jovens, e outros nem tanto, ocupam as cidades que o capital teima em tentar monopolizar para seu gozo exclusivo, exigindo transportes mais baratos e, cada vez mais, direito à livre manifestação. Com muito vinagre e fogo no lixão urbano, os manifestantes rebelados afrontam as bombas de gás, balas de borracha, e outras nem tanto, da repressão policial. Nos (tele)jornais, querem dirigir o que não puderam evitar, apresentando um vilão fantasmático: “a corrupção!”, para tentar desviar o foco da materialidade das contradições sociais que emergem com as centenas de milhares de pessoas nas ruas. Para eles, há os pacíficos e os vândalos. Bandeiras nacionais e hinos patrióticos representam a “verdadeira cidadania”, os partidos de esquerda seriam os “aproveitadores”. A linha é tênue, e varia conforme os humores dos manifestantes e as “sondagens de opinião”. Há quem, nas próprias manifestações, reproduza valores desse esforço ideológico para direcionar as mobilizações para a zona de conforto da classe dominante. Mas, os jornalistas dos monopólios da comunicação precisam se refugiar nos helicópteros e estúdios, porque sabem que a maioria ali não acredita no que dizem e nas ruas podem também ser brindados com o escracho dos que lutam. Lutam pelo que? O que explica a explosividade e a rapidez surpreendentemente desses acontecimentos? Aonde podem chegar? Qual o seu potencial? E os limites que precisam ultrapassar?" - Com esta breve introdução iniciamos nosso blog em junho de 2013. A luta continua e por isso este espaço continua aberto às analises!

sexta-feira, 21 de junho de 2013

A RUA É UM VIR-A-SER!

por Claudio Ribeiro, professor da Faculdade de Arquitetura da UFRJ.


Quando uma criança dá seu primeiro passo, ela experimenta uma sensação de liberdade que se repetirá a vida inteira. O risco de cair é grande, mas a criança sabe, porque elas já sabem muito, que maior é o risco de ficar parada.
A infância não se encerra na vida de criança e tampouco é algo exclusivo dos indivíduos, mas pois há também infâncias sociais. A infância enquanto sensação de descoberta, de risco e aprendizagem é sempre algo conturbado e maravilhoso, e a maravilha nos espanta porque é também um pouco assustadora.
Mas onde mora o susto? O susto mora no conflito de maravilhas. E foi isto que começou a ficar mais claro ontem: a maravilha de uns e enquanto anulação de outros. Anulação violenta e covarde, assustadora, intimidadora e estúpida. Mas existente. É inegável: a estupidez existe, a canalha existe, o nacionalismo violento também. A manifestação de ontem revelou para todos que estão vivendo a infância da ocupação dos espaços públicos, a infância da retomada da cidade, um obstáculo que pode fazer tropeçar: um comportamento obscuro, agressivo e intolerante, o tão falado homem cordial que surge para reprimir pois não sabe discutir. Não há diálogo na cordialidade, há adversários, há inimizades, há apenas anulação e violência, não existe espaço para conflito. Mas este espaço cordial é um obstáculo que deve ser superado: mais arriscado é ficarmos parados e sabemos isso desde pequeninos!
Que fazer? Dentre diversas ações possíveis, parece ser importante um entendimento imaginativo que deve pautar todas elas: as coisas não são, elas estão! A rua não é. A rua está, como nós, como o corpo social, em processo de (re)fazimento. A rua, se é algo, só pode se apresentar enquanto um vir-a-ser. A disputa está posta pela transformação do que aí foi colocado e revelado ainda que amargamente.
Pior era antes quando só havia, praticamente, o silêncio e as vozes dissonantes corriam isoladas e mais ameaçadas. Portanto, não se deixem abalar com as interpretações fatalistas que dizem: haverá golpe pois estamos repetindo 64. Acreditar neste discurso é tão perigoso quanto dar o golpe. A rua ainda está (e sempre estará) em disputa, temos que aprender a lidar com o caldeirão social que se apresenta e transformar este caldeirão ou estaremos, sim, fadados a respectivos golpes de intolerância... Se 64 levou a golpe, e se antes já houve outro, o que fazer para evitá-lo agora? O que fazer para evitá-lo em nosso imaginário? A primeira coisa é esquecer a idéia preconcebida de que a rua só seria maravilhosa se todos protestassem juntos pelas causas da esquerda e, portanto, as manifestações atuais devem ser evitadas pois levariam à fatalidade. Esse é o maior risco, pois abandonar a disputa é o pior, é construir a própria derrota. Conseguiremos levar às ruas as causas justas e isso será incrível. Mas não vai ocorrer sem uma construção desta justiça. O direito à cidade está em jogo e ele só será consolidado se exercido enquanto tal: conflituar a cidade é reforçar a democracia e a liberdade, não recuemos para a cordialidade. A democracia se constrói no conflito e a cidade só existe enquanto realização da democracia (que não é a democracia do voto apenas, mas a democracia da autonomia).
Portanto, agora a porta está aberta, temos que ocupar os espaços com sabedoria, com justiça, com rapidez. Vencemos a primeira barreira, chamamos todos para o debate, e eles vieram! Fomos nós que chamamos, foi a esquerda, pois ela é quem acredita no debate!! Nunca se esqueçam disso: as manifestações são uma conquista da esquerda, não as abandonemos jamais! Mas não se iludam: se ter debate é uma vitória, isso não significa a garantia de vitória no debate.
Ontem vimos como tomar partido é difícil, como é perigoso; medimos algumas fraquezas, mas, principalmente, mostramos a força que há na rua. Conquistemos o que está em disputa, nada foi ainda decidido!
Tomem partido!

E, para aqueles que acham que antes dos protestos estava tudo melhor, saiba que você, meu caro, já foi derrotado, essa era já passou... A rua é um vir-a-ser, que ela seja um vir-a-ser justo, livre e, obviamente, belo!

















(imagem feita pelo #ocupânciaUFRJ com Banksy e Quino dialogando: bela como a rua!)

http://espacoeletra.blogspot.com.br/2013/06/a-rua-e-um-vir-ser.html


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