"As ruas fervem em todo o Brasil. Jovens, e outros nem tanto, ocupam as cidades que o capital teima em tentar monopolizar para seu gozo exclusivo, exigindo transportes mais baratos e, cada vez mais, direito à livre manifestação. Com muito vinagre e fogo no lixão urbano, os manifestantes rebelados afrontam as bombas de gás, balas de borracha, e outras nem tanto, da repressão policial. Nos (tele)jornais, querem dirigir o que não puderam evitar, apresentando um vilão fantasmático: “a corrupção!”, para tentar desviar o foco da materialidade das contradições sociais que emergem com as centenas de milhares de pessoas nas ruas. Para eles, há os pacíficos e os vândalos. Bandeiras nacionais e hinos patrióticos representam a “verdadeira cidadania”, os partidos de esquerda seriam os “aproveitadores”. A linha é tênue, e varia conforme os humores dos manifestantes e as “sondagens de opinião”. Há quem, nas próprias manifestações, reproduza valores desse esforço ideológico para direcionar as mobilizações para a zona de conforto da classe dominante. Mas, os jornalistas dos monopólios da comunicação precisam se refugiar nos helicópteros e estúdios, porque sabem que a maioria ali não acredita no que dizem e nas ruas podem também ser brindados com o escracho dos que lutam. Lutam pelo que? O que explica a explosividade e a rapidez surpreendentemente desses acontecimentos? Aonde podem chegar? Qual o seu potencial? E os limites que precisam ultrapassar?" - Com esta breve introdução iniciamos nosso blog em junho de 2013. A luta continua e por isso este espaço continua aberto às analises!

terça-feira, 16 de julho de 2013

Sobre o aquecimento da luta de classes e as “credenciais” da esquerda

por Silvia Beatriz Adoue




As mobilizações do último período revelam, entre outras coisas, que as “credenciais” dos partidos e movimentos criados na etapa anterior de lutas não são reconhecidas pela nova geração das classes trabalhadoras. A ruptura da continuidade das lutas dos 80 e primeira metade dos 90 faz-se sentir no aquecimento das lutas durante o último ano, que tiveram a expressão mais espetaculosa nas manifestação contra os aumentos das passagens e contra os gastos da Copa. As organizações criadas na outra etapa, e que permaneciam em compasso de espera, olham para este reacender das lutas com apreensão. Reclamam da despolitização ou a desorganização das novas camadas e olham para elas com uma desconfiança só superada pela desconfiança dessas novas camadas com relação às organizações tradicionais. A confiança se constrói na luta comum, não é automática, pelo programa, pelo discurso e nem pela cor das bandeiras.
Aliás, essa desconfiança precisa ser percebida como saudável nas novas e também nas velhas gerações, depois do comprometimento dos governos do Partido dos Trabalhadores, partido surgido nas lutas da etapa anterior, com o projeto de expansão do capital no que se deu em chamar: neo-desenvolvimentismo. Mas mesmo partidos e movimentos organizados que não deixaram de lutar nesta última etapa, não se tornaram referência para esta grande massa de trabalhadores e trabalhadoras que agora se lança ao conflito. As “credenciais” não servem. É necessário estarem presentes nas lutas atuais sem partir do pressuposto de que serão dirigidas por esses partidos e movimentos organizados, o que inclui as organizações sindicais. As mobilizações de dia 11 de julho são uma clara demonstração disso. Rompeu-se o vínculo orgânico das organizações com a grande massa. O que é compreensível, uma vez que houve um arrefecimento das lutas todos esses anos. Alguns confundem organicidade com organização e, inclusive, organização com aparato.
De pouco serve o aparato se não houver organicidade. É preciso reconstruí-la. E isso não será feito sem enraizamento no cotidiano das classes trabalhadoras e nas suas novas lutas. É uma grande insensibilidade achar que a frente única da classe trabalhadora vai se dar pelo simples acordo entre as organizações pela retomada das velhas bandeiras. Da pauta amarelada das classes trabalhadoras. A pauta só pode ser reconstruída junto às novas gerações, a partir das lutas atuais. A restituição das pautas, independentemente das lutas, só aumenta o estranhamento entre a esquerda organizada e essas novas gerações. Para se colocar pautas mais gerais e audaciosas é preciso uma organização que só pode avançar a partir de lutas, e conquistas, mais imediatas, que vão alimentar a confiança nas próprias forças e nas novas articulações da classe. Isso está colocado para todos. Alguns já perceberam, outros ainda precisam “acordar” para as novas tarefas.

Silvia Beatriz Adoue é professora da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Araraquara.

Texto originalmente publicado em 15/07/2013 no Brasil de Fato.

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